20080717

[Cronicas Quimicas: um breve dialogo sobre ausentar-se de si mesmo]

Numa parada de caminhões um jovem perguntou a um velho que dividia um banco com o sereno e uma garrafa de pinga barata:

-Estive me perguntando sobre a essência das pessoas. Tenho comigo o pensamento de que carregamos outras pessoas em nossos corpos, em algum lugar, talvez na cabeça, talvez no coração... Mas como podemos mesmo tendo-as dentro e ao redor, sentirmo-nos sozinhos? E o que acontece quando uma pessoa sai de si mesma, fechando a porta?

O velho esfregou os olhos como quem acordava de um sono profundo... e disse:
-Certa vez, um certo alguém encontrou-se tão repleto de pessoas habitando em seu interior, que quando percebeu que elas, mesmo compartilhando o mesmo lar-corpo-casa-embalagem, não davam a mínima para ele, combinou uma festa, e foi embora esperando que alguém o abrisse de dentro para fora. Imaginou que num dado momento da festa, as pessoas lembrariam-se dele, e festejariam a sua presença, dividindo o melhor de seus tempos de desejos com ele. Talvez essa prova tenha sido arriscada demais, porque uma vez fora de si, ele dependia de um outro alguém, pois atribuíra a si mesmo a condição do isolamento. Isolou-se por temer o fato de que as vezes ninguém se importa com ninguém.

O jovem perguntou ao ancião da estrada:
- e enfrentar nossos medos não seria para todos nós um ato heróico?

O velho sorriu com certa ironia no olhar e disse:
- E onde se encontram os heróis?! e quais heróis não agiram por fé em alguma coisa ainda maior do que eles imaginavam poder alcançar? Não imagino que atitude heróica e burra pode tornar-se melhor do que uma atitude sábia e realista, embora a realidade seja uma única para cada um de nós.
Não! Talvez ele não tenha sido um herói, talvez tenha sido um covarde, porque quis enfrentar o medo da perda, mas não quis propor uma mudança na situação e nem em seu mundo interior. O abandono é também uma fuga. E que pode haver de heróico em enfrentar uma perda sem retraçar as linhas que compõe o seu pensamento, sem inventar um novo modo, sem encarar uma realidade que dói, mas que eventualmente, é o que se tem agora?! Pense bem, esse alguém saiu de si para não gritar e colocar ordem em seu próprio mundo... e pelo que conheço desse tipo de pessoa, sei que é provável que ele beba para esquecer-se do que jamais aconteceu, e busca a frieza da alma por sentir isso vindo de um mundo onde as pessoas se comportam de forma consoante a esta.

E com certo ar de desprezo o jovem diz:
- Chega a ser ironico te ouvir dizendo tais coisas, com essa garrafa ao seu lado e...

O velho, sorrindo de forma desequilibrada, o atravessa dizendo com a mandibula travada:
- Certa vez eu quis voltar ao passado para tentar entrar novamente dentro de mim. Construi uma maquina que me fez voltar no tempo, de forma que eu pudesse finalmente me encontrar e me impedir de me tornar um alguem covarde que talvez encontre heroismo em viver uma vida mediocre, fugindo sempre de si mesmo até o momento que abandonou a propria celebração da vida, pra contar com a boa fé de incredulos, pra se apoiar na comoda auto-piedade que o fez evacuar-se de seu proprio peito.
E esse alguem que fugiu, morreu na porta de seu proprio lar, secou sozinho fora de sí, perdeu-se de sí mesmo (...)
Você não percebe certa semelhança? Talvez viver a beira do suicidio espiritual, não seja o melhor caminho para nós. Dia após dia, esperando por algo que nunca fora prometido, por um auxilio necessario, mas sempre buscado nas fontes erradas, umas vez que há uma única fonte para que se sacie a alma do homem. Uma única palavra: amor. Diferentemente voce tem buscado não amar, e não ama alguém, mas ama a sensação de ser amado, e ainda assim insiste sempre em deixar de lado que te ama, para buscar mais pseudo-amor em novas amizades, para tampar um buraco sem fundo que lentamente vai corroendo as paredes do seu coração... já posso ver através de certas partes de você; já vejo a arma que esconde em seu bolso... e temo que finalmente eu venha a me enfrentar, mas de forma injusta.
Apenas saiba que por não discernir o amor, vivemos sozinhos. Damos o que temos no coração e as pessoas recebem o que elas mesmas tem no coração e dessa forma, m(eu) jovem, vejo que devia ter previsto isso tudo. Você foge por soberba... por cagaço de ser só mais um no mundo de outra pessoa. A ironia dessa nossa situação é que por isso você deixou para trás o único lugar onde você jamais seria só mais um: você mesmo.

-VELHO! Pare de falar ou eu estouro sua cara...

- Eu vendi minha alma por migalhas, e agora vejo isso perfeitamente... poderia ter preenchido meus vazios com amor, com DEUS!

- CALE A BOCA! É O ULTIMO AVISO!

- A resposta é Deus. Talvez se vc o perceber, terá ciencia do seu papel e então encontrará sentido em ser. Saiba de uma coisa, somos um só. Se eu fosse você não faria isso...

E após um estalo seco, corpo do velho desmorona sorrindo. Passaros saem pelo buraco em seu peito e finalmente encontra a liberdade.
Imediatamente o jovem, sentiu o gosto do sangue em sua boca, sua visão foi desaparecendo e ____________________

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